quinta-feira, 4 de abril de 2013

Aprender ciência e não só


António Gomes Ferreira
Cada vez mais se vem insistindo na relevância da educação formal atender aos supremos interesse da ciência. Mas este apelo a uma instrução meramente instrumental não é nova, colocou-se ao longo da história da escola, apenas reequaciona a questão dos conteúdos. Por outro lado, é preciso questionarmos se a educação formal não se deve importar com o modo como olhamos e utilizamos a ciência, se isso não é tão culturalmente relevante e não tem consequências para a qualidade de vida das pessoas. Educação é sempre resultado duma relação e esta é sempre dependente de condições históricas e culturais. A definição do conteúdo, o interesse do objeto, a circunscrição do científico, ao contrário do tantas vezes se diz, não dependem apenas da primordial qualidade da parcela de matéria. Nenhuma substância é só por si interessante para a ciência e a cultura. Quem confere importância é o homem ou a mulher no modo de olhar, analisar e compreender qualquer matéria ou dimensão da realidade. Mas estes não o fazem isolados, individualmente, antes agem a partir das relações que desenvolvem com as condições materiais e da capacidade técnica que está disponível. Mas, mesmo assim, a capacidade de delimitarem a relevância da ciência a ensinar não está ao alcance de todos os homens e de todas as mulheres. Ignorar quanto este exercício está dependente de forças dominantes que estão fundamentalmente preocupadas com a reprodução da sua lógica de poder, é ingénuo e impede de equacionar a capacidade de transformação da educação. Não se nega a importância da apropriação do conhecimento rigoroso e consolidado, nem a conveniência de se organizar um sistema educativo estruturado tendo em vista a melhoria tecnológica e o bem-estar das pessoas. Todavia, é preciso tomar consciência de que há mais saber relevante para além do necessário domínio da técnica, da aplicação instrumental do rigor. Ganharemos mesmo mais eficiência se soubermos promover uma educação que olha criticamente para o conhecimento científico, que se atreva a fazer pensar sobre o uso da ciência, sobre o sentido do progresso, sobre o que deve ser o humano, sobre as consequências do que fazemos e devíamos fazer, do que devíamos ser.

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